DALTON DI FRANCO

DALTON DI FRANCO
Jornalista, escritor, radialista, administrador de empresas, pós-graduado, professor universitário e Advogado. Ele já foi vereador, deputado estadual e vice-prefeito de Porto Velho (RO)

terça-feira, 15 de março de 2011

Não há cura para pedófilo, diz desembargadora no julgamento de ex-diretor da Caerd




Foi disponibilizado pelo Tribunal de Justiça de Rondônia a integra do acórdão que negou Habeas Corpus ao ex-diretor da Caerd, Armando Nogueira Leite, condenado a 36 anos de prisão por envolvimento com menores. A relatora, desembargadora Ivanira Feitosa Borges, descreveu como agia o acusado, que se passava por amigo, mas tinha interesses puramente sexuais. “Restou devidamente comprovado nos autos que o réu é portador dessa personalidade destoante do homem médio, isto é, apesar de ser um indivíduo aparentemente sem qualquer suspeita, convivendo naturalmente em meio a sociedade, já que se mostra cordial, gentil, confiante, apresentando-se como um verdadeiro amigo, agradável, gosta muito de crianças ou adolescentes e também de presenteá-las. Contudo, seu desejo sexual é voltado para a assimetria de poder que tem em relação à sua pretensa vítima, sua capacidade de seduzir, induzir, atrair e ameaçar, se fazer querido e necessário por aquele a quem pretende abusar e explorar sexualmente. O desejo do pedófilo é atrair a inocência e iniciar aquele “objeto de desejo” nas suas práticas sexuais distorcidas, induzindo a chegar até o último grau de perversidade ou de sua experiência”. Para ela, não “há cura para tal desvio de personalidade, sua mente, seus desejos são voltadas para esta prática, colocando em risco toda a comunidade em que ele vive”.

No julgamento, ocorrido no dia 2 de março, apenas o desembargador Raduam Miguel Filho votou pela soltura do homem, privilegiando a presunção de inocência. “Penso que não podemos subjetivamente esperar que alguém, solto, irá praticar um crime, como também não podemos esperar que, se solto, não irá praticá-lo! É uma situação que pode acontecer, como pode não acontecer, por isso não se deve manter o paciente preso, recluso, sob uma eventual expectativa. Durante o período do processo não me constou absolutamente nada sobre haver praticado o mesmo crime ou, sequer, outro delito”, disse. Confira a íntegra da decisão:


0001410-27.2011.8.22.0000 Habeas Corpus
Origem : 00185191120088220501 Porto Velho/RO (Vara de Atendimento à
Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar e de Crimes contra
Criança e Adolescente)
Paciente : Armando Nogueira Leite
Impetrantes (Advogadas): Maracélia Lima de Oliveira (OAB/RO 2.549),
Érica Caroline Ferreira Vairich (OAB/RO 3.893) e
Beatriz Wadih Ferreira (OAB/RO 2.564)
Impetrado : Juízo de Direito da 1ª Vara de Delitos de Trânsito e Crimes contra
Criança e Adolescente da Comarca de Porto Velho - RO
Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges (em substituição à Desª.
Marialva H. D. Bueno)


EMENTA

Habeas corpus. Apelo em liberdade. Indeferimento. Requisitos da prisão preventiva presentes. Falta de fundamentação. Ofensa ao princípio da presunção de inocência inocorrência. Ordem denegada.

Não ofende a presunção de inocência a decisão que nega ao réu o direito de recorrer em liberdade da sentença penal condenatória, mesmo tendo respondido o processo em liberdade, desde que consignado na decisão os fundamentos concretos da necessidade da medida.

A periculosidade do agente, a gravidade concreta do delito e o mudus operandi da ação delitiva são fundamentos idôneos para impedir que o réu apele em liberdade.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR MAIORIA, DENEGAR A ORDEM. VENCIDO O DESEMBARGADOR RADUAN MIGUEL FILHO.


O desembargador Miguel Monico Neto acompanhou o voto da relatora.

Porto Velho, 2 de março de 2011.

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES
RELATORA


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
2ª Câmara Criminal

Data de distribuição :11/02/2011
Data de julgamento :02/03/2011

0001410-27.2011.8.22.0000 Habeas Corpus
Origem : 00185191120088220501 Porto Velho/RO (Vara de Atendimento à
Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar e de Crimes contra
Criança e Adolescente)
Paciente : Armando Nogueira Leite
Impetrantes (Advogadas): Maracélia Lima de Oliveira (OAB/RO 2.549),
Érica Caroline Ferreira Vairich (OAB/RO 3.893) e
Beatriz Wadih Ferreira (OAB/RO 2.564)
Impetrado : Juízo de Direito da 1ª Vara de Delitos de Trânsito e Crimes contra
Criança e Adolescente da Comarca de Porto Velho - RO
Relator : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges (em substituição à Desª.
Marialva H. D. Bueno)


RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelas advogadas Maracélia Lima de Oliveira, Érica Caroline Ferreira Varich e Beatriz Wadih Ferreira em favor de Armando Nogueira Leite, ao argumento de o paciente estar sofrendo coação ilegal emanada da autoridade apontada como coatora que negou o direito deste em recorrer em liberdade da sentença penal condenatória, exarada nos autos da ação penal em epígrafe, que o condenou à pena definitiva de 30 anos de reclusão, 06 anos de detenção e 650 dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário mínimo vigente á época dos fatos, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes capitulados nos arts. 218 do CP (2º Fato); 244-A, caput, do E.C.A. (3º e 4º Fatos); 241 do E.C.A (6º Fato); 1º da Lei 2252/54 (7º Fato - três vezes); e art. 243 do E.C.A. (8º Fato - duas vezes).

Alegam que o paciente foi preso em flagrante delito, no dia 28.02.2008, por suposta prática dos delitos descritos nos arts. 218, caput, e 228, caput, do CP, tendo sido concedida ordem de habeas corpus por esta Corte na sessão do dia 13.03.2008.

Esclarecem que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções dos arts. 218 do CP, 244-A do E.C.A, 213 c/c o 224, "a", do CP, 241 do E.C.A. e 1º da Lei 2.254/54, todos c/c o 69 do CP. Dizem que houve aditamento da denúncia, acrescendo a acusação pela prática do fato descrito da conduta do art. 243 do E.C.A.

Informam que a magistrada em substituição decretou a prisão preventiva do paciente com fundamento na conveniência da instrução criminal e para assegurar a ordem pública e, mais uma vez, argumentam que este Tribunal concedeu orem de habeas corpus no dia 10.07.2008.

Na sentença, após condenar o paciente nas sanções já referidas, a magistrada decretou a prisão do paciente, nos termos do art. 387 do CPP, destacando o comportamento pedófilo do paciente e a garantia da ordem pública, negando, assim, o direito deste recorrer em liberdade.

Juntou documentos e peças de fls. 19/55.

A liminar foi indeferida em regime de plantão pelo desembargador Miguel Monico Neto, à fl. 56.

A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 60/64.

O promotor de justiça convocado Francisco Esmone Teixeira exarou parecer, ás fls. 68/74, manifestando-se pela denegação da ordem.

As impetrantes peticionaram, às fls. 79/81, juntando novos documentos (fls. 82/97) e anexos (sete volumes - cópia dos autos de origem), sendo deferida e aberta vista à Procuradoria de Justiça, que nada requereu (fl. 99).

Relatado.


VOTO

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

Conforme relatado, o cerne deste habeas corpus é saber se a decisão que impediu o paciente de recorrer em liberdade é necessária e se está suficientemente fundamentada. Eis a parte do dispositivo da sentença impugnada:

O réu fora preso em flagrante em 28/2/2008, tendo sido indeferido pelo magistrado titular os pedidos de liberdade provisória, habeas corpus e relaxamento do flagrante, impetrara habeas corpus perante a Câmara Criminal, tendo Sido a ordem concedida, no dia 13/3/2008.

Decretada sua prisão preventiva em 16/05/2008 (f. 125/6), para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, contudo fora solto em 10/06/2008 (ofício de f. 254), por decisão em novo habeas corpus.

Nos termos do artigo 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal, deve ser decidido, fundamentadamente, sobre a manutenção ou imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, na sentença condenatória, sem prejuízo do conhecimento e tramitação da apelação que vier a ser interposta.

O artigo 312 do Código de Processo Penal, estabelece que os requisitos do decreto de prisão preventiva são a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Já descrito nesta sentença a autoria e a materialidade dos diversos delitos imputados ao réu, tendo ficado devidamente comprovado diversos fatos mencionados na denúncia, tendo o réu sido condenado.

Conforme item da fundamentação da condenação "do comportamento pedófilo", restou devidamente comprovado nos autos que o réu é portador dessa personalidade destoante do homem médio, isto é, apesar de ser um indivíduo aparentemente sem qualquer suspeita, convivendo naturalmente em meio a sociedade, já que se mostra cordial, gentil, confiante, apresentando-se como um verdadeiro amigo, agradável, gosta muito de crianças ou adolescentes e também de presenteá-las. Contudo, seu desejo sexual é voltado para a assimetria de poder que tem em relação à sua pretensa vítima, sua capacidade de seduzir, induzir, atrair e ameaçar, se fazer querido e necessário por aquele a quem pretende abusar e explorar sexualmente. O desejo do pedófilo é atrair a inocência e iniciar aquele “objeto de desejo” nas suas práticas sexuais distorcidas, induzindo a chegar até o último grau de perversidade ou de sua experiência.

Não há cura para tal desvio de personalidade, sua mente, seus desejos são voltadas para esta prática, colocando em risco toda a comunidade em que ele vive. Convém acrescentar que em 13/07/1990, com a edição da Lei n. 8.069/90, o Brasil adotou a política da proteção integral da criança e do adolescente (artigo 3º), devendo ser asseguradas todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

O réu possui condições pessoais e sociais que indicam a sua habilidade em manipular as pessoas, bem como de reconhecer suas “vítimas” adolescentes, de preferência, virgens, que estejam em vulnerabilidade social, prometendo aquilo que elas mais desejam, ascensão social, em troca de sua inocência e "iniciação", não somente ao seu mundo sexual distorcido, mas também ao consumo de drogas.

Seu modus operandi de atração das vítimas e cooptação delas para que outros adolescentes também fossem atraídos, ficou detalhadamente comprovado nos autos. Como atraía (dando dinheiro, presentes, pagando inscrição em concurso de beleza), como pedia para os adolescentes apresentarem outros, de preferência virgens, para a sua concupiscência e iniciação.

Os delitos praticados pelo réu, além de graves, causaram e causam grande comoção e repercussão social, tanto que o próprio Centro de Defesa das Criança e do Adolescente CDCA se habilitou como assistente de acusação nos autos, representando as vítimas, reconhecendo o grande malefício praticado contra os adolescentes.

Os efeitos traumáticos e os reflexos negativos dos atos do réu para com suas vítimas ficou devidamente comprovado nos autos, tanto pelos seus depoimentos, quanto pelos laudos psicossociais juntados aos autos. Não há como esquecer ou desprezar as consequências na vida desses adolescentes quanto a essas práticas, ficam indelevelmente marcados na sua memória e reflete e refletirá em toda a sua vida futura.

Ressalte-se que a sentença deve, além de indicar os fatos e fundamentos para análise da legislação a ser aplicada a cada caso, mas possui em seu âmago o restabelecimento da harmonia social, da paz comunitária, e, como nos crimes aqui decididos e de grande repercussão, o caráter didático da decisão deve ser definido, devendo ser demonstrando a toda a comunidade e aos que tomarem conhecimento sobre os fatos, que o Poder Judiciário conduz o processo com imparcialidade, baseado nas provas constantes dos autos, punindo o culpado, para que seja restabelecida a segurança jurídica e o sentimento de que a justiça fora concretizada.

Com tantos recursos possíveis de serem interpostos contra esta decisão, depois do réu já ter sido condenado a mais de 30 anos de reclusão em regime fechado, não deve mais prevalecer o princípio da in ocência, não havendo motivos para que ele se mantenha solto, incólume, no meio social, devendo, desde logo o réu iniciar o cumprimento de sua pena.

O Ministro Carlos Brito, como relator do HC n. 94.979/TO diz "não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se a concreta situação dos autos evidencia a necessidade de acautelamento do meio social".

A prisão preventiva, decretada para garantia da ordem pública, não visa acautelar o processo, mas sim o próprio meio social, sendo plenamente válida a prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública em razão de premente necessidade de se assegurar a credibilidade da população nas instituições diretamente envolvidas nas atividades de segurança e na repressão da criminalidade.

Reitera-se que a prática de infração penal gravíssima, como a que fora apurada nesses autos, de muita repercussão social, corrói um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, que é a credibilidade nas instituições e no objetivo maior do Poder Público e da Nação Brasileira.

Trago à colação jurisprudência do STJ em que fora decretada a prisão preventiva de pedófilo, uma vez que as circunstâncias ali descritas demonstram e ratificam o posicionamento desta magistrada, de que a personalidade desvirtuada e o modus operandi do réu estabelecem a necessidade de sua segregação cautelar:

HABEAS CORPUS Nº 160.295 - ES (2010/0012196-3). RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES. IMPETRANTE : CLAUDIUS ANDRÉ MENDONÇA CABALLERO E OUTRO. IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. PACIENTE : M F X (PRESO) EMENTA: HABEAS CORPUS. EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL, ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ANTIGO ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COM PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA), VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (ANTIGO ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE). PRISÃO PREVENTIVA. DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA FUNDAMENTADA. MODUS OPERANDI E PERICULOSIDADE SOCIAL DO PACIENTE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGA INEXISTENTE. PRISÃO DOMICILIAR. DESCABIMENTO.


1. Esta Corte tem afirmado que a prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o art. 312 do Código de Processo Penal.

2. No caso concreto, a prisão do paciente se encontra devidamente justificada, principalmente pela forma em que praticados os delitos (modus operandi) e pela periculosidade social do paciente, evidenciada na sua propensão à pedofilia. Como visto, o paciente, utilizando-se de sua influência no meio artístico, é acusado de exploração sexual e estupro de várias adolescentes menores de idade. Consciente da vulnerabilidade das menores, oferecia às vítimas ingressos de shows, além de presentes, como máquinas fotográficas, tênis e até drogas para, em troca, praticar abusos sexuais.

3. Diante da notícia de transferência do acusado para o Centro de Detenção Provisória de Viana II, onde há uma Unidade de Saúde Prisional, não há motivo para autorização da prisão domiciliar, que só é possível, em casos excepcionais ou na falta de local apropriado para o cumprimento em prisão especial, o que não é o caso dos autos.

4. Conforme informações do Juiz de primeiro grau, a instrução processual encontra-se, praticamente, concluída, restando apenas o interrogatório do réu, o qual foi designado para o dia 16/06/2010 às 15:30. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Brasília (DF), 25 de maio de 2010 (data do julgamento) MINISTRO OG FERNANDES Relator (grifo nosso).

Além da alta periculosidade do réu, pelo perfil psicológico e social característico da pedofilia, cooptando adolescentes, há relato nos autos de que o réu teria tentado, por diversas vezes, atrapalhar o curso da instrução criminal, ameaçou vítimas e testemunhas ouvidas em Juízo, dizendo para duas delas que se fosse condenado, acertaria as ''contas'' com elas, não havendo demonstração que possui vínculo tão forte com a comunidade a ponto de mantê-lo no distrito da culpa, ou mesmo em seu cargo comissionado em Brasília (DF), já que suas condições financeiras permitem facilmente se esquivar do cumprimento de sua pena.

Desta forma, pelos motivos acima fundamentados, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, não faculto ao réu recorrer em liberdade, decretando sua prisão preventiva com fulcro no artigo 312 do Código de Processo Penal. Expeça-se mandado de prisão preventiva, com urgência. (...) (sic).


Atenta à decisão acima, devo reconhecer que ela se sustenta pelos seus próprios fundamentos. Todavia, por apego ao argumento, acrescento que, pela exaustiva fundamentação, denota-se a imperiosidade da segregação do paciente, haja vista, fundamentalmente, a latente periculosidade do réu e o engenhoso modus operandi da ação delitiva, com destaque para hipossuficiência financeira, social e intelectual das vítimas.

O fato de esta Corte já ter, anteriormente, concedido ordem de habeas corpus para que o paciente permanecesse em liberdade durante a instrução processual, agora é irrelevante, porquanto dos fundamentos da segregação são outros, diga-se, mais graves.

Devo registar que participei dos dois julgamentos anteriores em que o paciente foi posto em liberdade. Na ocasião votei no sentido da liberação, por razões absolutamente diversas das razões que hoje sustentam a manutenção do paciente recolhido.

No primeiro habeas corpus, constava que o paciente respondia pelos crimes capitulados nos artigos 218 e 228 do Código Penal, cujas penas in abstrato são de 2 a 5 anos de reclusão (para cada um isoladamente). Na ocasião a prisão decorria de flagrante e o indeferimento da liberdade provisória pelo juizo a quo, teve fundamento na gravidade do delito. Entendi que a gravidade em tese não estava demonstrada até mesmo em razão do tipo ( Corrupção de menores e favorecimento à prostituição).

O Paciente foi preso novamente decorrente de prisão preventiva com fundamento na garantia da instrução. Volto a consignar que naquela ocasião o juiz decretou a preventiva em razão de a mãe de uma das menores (vítimas agora não mais só do crime dos arts. 218 e 228 do CP, mas, sim dos crimes dos arts 213 do Còdigo Penal, 241, 244, do ECA e outros em razão do aditamneto da nenúncia) ter declarado que "achava" que a sua filha estava se reencontrando com o paciente. Diante da ausência de outro elemento que pudesse confirmar a suspeita da mãe de uma das vítimas entendi não se poder naquela ocasião afirmar que o paciente estaria tumultuando a instrução processual, razão pela qual acompanhei o relator pela revogação da prisão preventiva do paciente.

O fundamento da prisão anteriormente decretada (conveniência da instrução criminal ,apreciado na ocasião do julgamento do segundo Habeas Corpus não serviu para subsidiar o decreto ora impugnado, que calcou-se na garantia da ordem pública, retratada na periculosidade e na personalidade pedófila e incurável do paciente.

Esses predicados da personalidade do paciente, aliás, muito bem destacado pela magistrada, permitem concluir que, em liberdade, o paciente voltará a delinqüir com mesmo requinte já demonstrado. Tudo isso levam, não só as vítimas, mas também seus familiares a um concreto, sério e justificado temor de que o paciente voltará a exercer seu assédio destrutivo novamente. E mais: o fato sabidamente repercutiu, negativamente, nos veículos de comunicação local, chegando, por certo, ao conhecimento de incontáveis famílias que possuem filhas com idades semelhantes às das vítimas desse caso. É razoável, portanto, acreditar que as consequências dos crimes praticados tenham reflexos extraprocessuais que não podem ser desprezados dentro de um conceito de ordem pública. Sem olvidar que a gravidade dos fatos, já demonstrada, reclama um pronunciamento firme e intolerante por parte do Poder Judiciário em relação à natureza perniciosa dos delitos, sob pena de as instituições públicas, notadamente aquelas responsáveis pela garantia da ordem e segurança pública, caírem em verdadeiro descrédito.

Recentemente e a exemplo de outros casos análogos, o Supremo Tribunal Federal chancelou a prisão preventiva com fundamento da periculosidade concretamente demonstrada do agente. Vejamos:


HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO. CULPA EXCLUSIVA DO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. CAUTELARIDADE DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA. 1. O excesso de prazo na tramitação da ação penal não é atribuível unicamente ao Poder Judiciário quando a defesa deixa de apresentar defesa prévia no prazo legal. Precedentes. 2. O decreto prisional baseado em dados concretos acerca da periculosidade do paciente que, embora cabo da Polícia Militar, teria participação em quadrilha voltada para a prática de roubos, além de ter sido preso por latrocínio, tendo como vítima vereador recém-eleito. Cautelaridade demonstrada. 3. Ordem denegada. (STF - HC 102848 / PI, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, 07.12.2010, DJe. 01.02.2011).


HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DOS SEUS REQUISITOS. ORDEM DENEGADA. A prisão preventiva do paciente, conforme se infere da sentença de pronúncia, foi decretada para a garantia da ordem pública, tendo em vista os seus antecedentes criminais desabonadores, o que evidencia a prática reiterada de crimes e, por conseguinte, a periculosidade do acusado. Além disso, o voto condutor do acórdão atacado destacou que ¿o paciente é acusado de outro crime de homicídio cometido contra o irmão da vítima, tendo ameaçado toda a família de morte¿. Tais fatos reforçam a necessidade da custódia cautelar, não só para a garantia da ordem pública, como também para a conveniência da instrução criminal, que, no procedimento do júri, não se esgota com a pronúncia. Precedentes (91.407, rel. min. Ellen Gracie, DJe-117 de 27.6.2008). Ordem denegada. (STF - HC 99454 / PI, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, 23.11.2010, DJe. 01.02.2011).


Consta dos autos, à fl. 82, uma certidão emitida pela Vara de origem, certificando, a pedido das impetrantes, que desde a data do interrogatório do paciente não consta qualquer interpelação do acusado ou de outra pessoa em seu nome.

O conteúdo da referida certidão, data vênia, é irrelevante, pois o documento foi solicitado para demonstrar que o paciente não estava ameaçando testemunhas ou vítimas do processo, o que teria servido de motivo para que fosse decretada a sua prisão preventiva ainda durante a instrução processual. Todavia, como já destaquei, a prisão de agora tem como fundamento a garantia da ordem pública, e não a conveniência da instrução criminal.

Também é irrelevante o fato de o paciente ter casado com a vítima ........ (fl. 83). Sem entrar no mérito dos verdadeiros motivos do enlace matrimonial, assevero que nenhum reflexo penal ou processual penal tem o condão de gerar, como outrora se tinha. Isso porque a periculosidade do paciente não foi demonstrada de forma pontual, senão estrutural no cenário criminoso, ou seja, a magistrada analisou toda a dinâmica fática, todas as condutas criminosas. Portando, não é porque o paciente casou com uma das vítimas que sua conduta pretérita deixou de ser censurada ou que sua personalidade perdeu a característica perigosa e doentia, mormente diante da constatação de várias outras vítimas.

Pontifico, ainda, que as eventuais condições pessoais do paciente (v.g.: trabalho lícito, residência do distrito da culpa, primário, etc [...]) não impedem a decretação da prisão preventiva fundada em aspectos não conflitantes com tais condições, como por exemplo a gravidade concreta do crime, a personalidade do agente e o modus operandi. Cito precedente do STF, inclusive de origem desta Corte:


HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. LEGITIMIDADE. PRISÃO POR GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES SUBJETIVAS FAVORÁVEIS DO PACIENTE NÃO OBSTAM A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ORDEM DENEGADA.

I - Prisão cautelar que se mostra suficientemente motivada para a garantia da instrução criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do paciente, verificada pela gravidade em concreto dos crimes, e pelo modus operandi com que foram praticados os delitos. Precedentes.

II - As condições subjetivas favoráveis do paciente não obstam a segregação cautelar, desde que presentes nos autos elementos concretos a recomendar sua manutenção, como se verifica no caso presente. III - Denegada a ordem. (STF - HC 104087 / RO RONDÔNIA, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 05.10.2010, DJe 28.10.2010).

Com efeito, tal como fundamentada a decisão que impediu o paciente de recorrer em liberdade, não constato nenhuma ilegalidade ou mesmo ofensa ao princípio da presunção de inocência, haja vista a esmerada fundamentação exarada em estreita observância ao parágrafo único do art. 387 do CPP e art. 93, IX, da CF/88.

Com essas considerações, denego a ordem.

É como voto.



DESEMBARGADOR RADUAM MIGUEL FILHO


Realmente esse processo, pela complexidade dos fatos apresentados, deve ser apreciado com bastante cautela.

Como disse a procuradora de justiça, é importante que o Estado tome precauções em relação à prática de crimes como esse imputado ao paciente.

No entanto, sr. presidente, não estamos aqui analisando o recurso, mas, sim, pelo que me dá conta, o relatório do habeas corpus, a intenção do paciente de recorrer em liberdade.

A Constituição da República consagra o princípio da presunção de inocência, assegurando ao acusado todo o direito de defesa, e não consigo conceber no direito criminal a antecipação da tutela, salvo em casos muito especialíssimos, em que se justificaria antecipar a prisão pela superveniência da condenação.

O presente caso me traz à lembrança as palavras da ministra Carmem Lúcia ao julgar processo que guarda bastante similitude ao que ora analisamos: HC n. 89196-9, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, em que a ministra disse o seguinte:


Senhor Presidente, talvez a dificuldade do julgamento - e não altera, realmente, para mim, o resultado - é a circunstância de que o horror descrito, um grupo de homens estuprar ou praticar atentado violento ao pudor contra meninas de nove e dez anos de idade, agride o sentido de justiça de qualquer pessoa. Porém, se o direito é razão - e acho que o é - e não emoção, compete ao juiz saber que, até o momento em que fosse necessária essa prisão para se chegar a uma conclusão no julgamento quanto ao que é preciso ser feito para dar cumprimento ao direito, à norma de direito que impõe a pena, seria legitima essa prisão. Fora disso, a prisão não é mais juridicamente sustentável, ainda que o horror disso toque qualquer pessoa. [¿].


Ora, não estamos aqui reformando a sentença, tampouco confirmando-a, pois deverá ser objeto de recurso próprio. Estamos apenas analisando se o paciente deve ou não permanecer preso enquanto aguarda o julgamento de seu recurso.

Disse a desembargadora relatora, ao final de seu voto, quando se refere da irrelevância de uma certidão: Todavia, como já destaquei, a prisão de agora, tem outro fundamento, ou seja, a garantia da ordem pública e não a conveniência da instrução criminal".

Penso que não podemos subjetivamente esperar que alguém, solto, irá praticar um crime, como também não podemos esperar que, se solto, não irá praticá-lo! É uma situação que pode acontecer, como pode não acontecer, por isso não se deve manter o paciente preso, recluso, sob uma eventual expectativa.

Durante o período do processo não me constou absolutamente nada sobre haver praticado o mesmo crime ou, sequer, outro delito.

Então, nessa linha de raciocínio, com a devida vênia da eminente desembargadora relatora, que proferiu seu brilhante voto, não vejo presentes os elementos da decretação da prisão preventiva, como o fez a juíza em primeiro grau, a meu sentir, sem a justeza e a justificativa necessárias.

Dessa forma, sou pela concessão da ordem a fim de que o paciente recorra em liberdade.

É como voto.



DECLARAÇÃO DE VOTO

DESEMBARGADOR MIGUEL MONICO NETO

A magistrada após condenar o paciente decretou-lhe a prisão preventiva, nos termos do art. 387 do CPP, com fundamento no comportamento pedófilo e garantia da ordem pública.

Pois bem. Inicio minha declaração de voto pedindo vênia para transcrever o dispositivo constitucional alusivo à proteção da criança e do adolescente com a nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 65/2010:


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...]

§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.



É bom que se diga que não se trata de prisão obrigatória e tampouco de responsabilidade penal objetiva, pois é certo que o dispositivo constitucional acima mencionado deve ser entendido em conjunto com os demais direitos e princípios do artigo 5º da CF/88, sobretudo quando trata dos direitos e garantias individuais e em relação ao princípio da inocência ( inciso LVII, do art. 5º).

Não. O cerne da questão é saber se a prisão cautelar do paciente decretada agora na sentença, em que se negou seu direito de apelar em liberdade mesmo diante de ter assim permanecido durante parte da instrução e mesmo tendo obtido por duas vezes, nesta Corte, o direito de permanecer em liberdade durante parte do período da instrução criminal, não se caracteriza em constrangimento ilegal.

Não há constrangimento ilegal. Primeiro porque a prisão preventiva pode ser decreta a qualquer momento, consoante art. 312 do CPP. Tal seria se o magistrado e o tribunal ficassem refém de uma decisão anterior. Segundo, porque a decisão atual não se deu pelo mesmo fato das anteriores. E, por derradeiro, ainda que tivesse sido decretada pelos mesmos fatos, agora, após instrução e sentença condenatória, com muito mais razão.

Com efeito, após a instrução processual, com a garantia da ampla defesa em processo contraditório, o paciente foi condenado a mais de 30 anos por exploração sexual de adolescentes, estupro de vulnerável e produção e divulgação de imagens pornográficas de adolescentes.

Registre-se, outrossim, que um dos fundamentos para a maior severidade na punição de crimes desta natureza, isto é, contra crianças e adolescentes, máxime nos casos de exploração sexual e estupro de vulnerável, é a chamada assimetria de poder, na qual o agente se vale da vulnerabilidade do infante para a prática do crime, cujas consequências são deletérias para o menor.

E, na hipótese, embora possa o recurso de apelação vir a obter sucesso e o paciente vir a ser absolvido, restou demonstrado pela instrução, que o paciente é detentor de um comportamento pedófilo, ou seja, sua personalidade, independentemente de vir a ser condenado, é de pedófilo.

Deveras, a personalidade pedófila não tem cura. A reiteração da conduta é certa, de molde que a prisão do paciente para a garantia da ordem pública se faz necessária ante sua periculosidade real, para se assegurar a ordem pública e a tranqüilidade no meio social diante da gravidade concreta dos crimes pelos quais é acusado.

O fato de o paciente ter permanecido solto durante parte da instrução criminal não obsta a negativa ao apelo em liberdade, se evidenciado, na ocasião em que proferida a sentença condenatória, os requisitos para a custódia preventiva, a qual deve estar baseada em fundamentação concreta. Tal como a hipótese presente.

A propósito eis a jurisprudência do STJ:


1. Apesar de o paciente encontrar-se solto quando da prolação sentença condenatória, ao vedar o apelo em liberdade, o douto Magistrado processante fundamentou a necessidade da custódia na manutenção dos pressupostos da segregação cautelar previstos no art. 312 do CPP, especialmente na necessidade de assegurar a aplicação da lei penal (...)(HC 87127/MA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 08/09/2008).

[¿]

III. O fato de a ré ter permanecido solta durante a instrução criminal não obsta a negativa ao apelo em liberdade, se evidenciado, na ocasião em que proferida a sentença condenatória, os requisitos para a custódia preventiva, a qual deve estar baseada em fundamentação concreta. IV. A possibilidade concreta de reiteração de condutas delituosas, porquanto a personalidade da paciente mostra-se voltada para o cometimento de delitos, permite que o Juiz, ao prolatar a sentença condenatória, negue à ré o direito de apelar em liberdade, para garantia da ordem pública, ainda que tenha respondido ao processo em liberdade. V. (...). (HC 153045/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 18/10/2010). (g.n.).

Sobre a matéria, no mesmo entendimento, esta 2ª Câmara Criminal julgou o HC n. 0000299-08.2011.8.22.0000, de relatoria do e. Juiz Oudivanil de Marins, no dia 02/02/2011 com a seguinte ementa:


TJRO - Habeas corpus. Tráfico internacional de drogas. Prisão preventiva decretada na sentença. Paciente que permaneceu solto durante parte do curso do processo. Necessidade de fundamentação da medida constritiva de liberdade. Garantia da ordem pública. Personalidade voltada à prática de crimes. Constrangimento ilegal não evidenciado.

O fato do paciente ter permanecido solto durante parte da instrução criminal não obsta a negativa ao apelo em liberdade, se evidenciado, na ocasião em que proferida a sentença condenatória, os requisitos para a custódia preventiva, a qual deve estar baseada em fundamentação concreta.

A possibilidade concreta de reiteração de condutas delituosas, porquanto a personalidade do paciente mostra-se voltada para o cometimento de delitos, permite que o Juiz, ao prolatar a sentença condenatória, negue-lhe o direito de apelar em liberdade, para garantia da ordem pública, ainda que tenha respondido ao processo em liberdade. (g.n.).


O STF tem decidido que a prisão preventiva, devidamente justificada, objetiva, sobretudo, resguardar a ordem pública, retirando do convívio social aquele que, diante dos meios de execução utilizados nas práticas delituosas (modus operandi), demonstra ser dotado de alta periculosidade. HC 118.578-SP, Dje 30.03.2009, RHC23.426-SP, Dje 09.03.2009 e AgRg no HC 105.357-AL, Dje 20.10.2008.

Da mesma forma, a Corte Suprema já decidiu que a periculosidade do réu evidenciada pelas circunstâncias em que o crime foi cometido basta, por si só, para embasar a custódia cautelar no resguardo da ordem pública, sendo irrelevante a primariedade, os bons antecedentes e a residência fixa - HC 12.23-3/4, São José do Rio preto, 3ª C. Extraordinária, rel. Maros Zanuzzi, 13.03.2003, v.u., JUBI 8/03.

Assim, sedimentado é o entendimento de que a ordem pública é expressão de tranquilidade e paz no seio social. Em outras palavras, a decretação da preventiva, objetiva evitar que o paciente continue deliquindo.

Em havendo risco demonstrado de que o paciente continuará delinquindo, é sinal que a prisão se faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença condenatória.

E, como bem ressaltado na sentença que lhe decretou a prisão e negou-lhe o direito de recorrer em liberdade, e, ainda como também anotado no judicioso voto da eminente relatora, a personalidade pedófila do paciente, que restou apurada durante a instrução, induz à certeza quase absoluta de reiteração de conduta.

Não se trata de obrigatoriedade da prisão toda vez que constatada tal conduta, mas de um fato no qual o magistrado não pode se alhear sob pena de distanciar-se dos anseios da justiça no seu desiderato de buscar a paz social. É que o princípio da inocência também deve ser entendido em consonância com o disposto no parágrafo quarto do art. 227 da CF/88.

Nessa perspectiva, oportuno destacar o voto de vista da Ministra do STF Ellen Gracie, condutor do acórdão do HC 81.158-2/RJ que decidiu matéria semelhante:

[]. O crime de que é acusado o paciente está assim descrito no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90):

Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou porno grafia, envolvendo criança ou adolescente:

Pena - reclusão de um a quatro anos.

A criança e o adolescente têm sido objeto de preocupação especial no Brasil, como também no plano internacional.

Além da Declaração Universal do Direito da Criança (1959) e da Convenção dos Direitos da Criança (1989) diversos outros pactos de proteção à criança, como a 45ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração pelo direito da criança à sobrevivência, à proteção e ao desenvolvimento, a convenção de Nova York sobre os direitos da criança e a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, têm sido subscritos por nosso País.

O legislador constituinte de 1988, atento à tendência mundial de fortalecimento de proteção à infância, reservou vários dispositivos a essa disciplina, elencados no art. 227 da Constituição Federal, cujo caput preceitua:

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi editado com objetivo maior de dar efetividade a todos esses diplomas.

Entendo que o exame da gravidade dos delitos praticados contra criança e adolescentes deve ser dar, portanto, à luz de todas essas regras protetivas, e não tendo como referência a possibilidade de enquadramento da conduta numa lei ordinária de índole processual que não trata em especial de crianças e adolescentes, (¿).

Assim, considerando extremamente grave o crime de que é acusado o paciente, não vejo obstáculo à sua prisão preventiva (¿).


A hipótese em exame é mais grave. De fato, além de o paciente ter sido condenado pelo mesmo crime do 241 da Lei nº 8.069/90, objeto do julgamento acima, foi condenado ainda no art. 218 do CP (redação anterior a Lei 12.015/2009); art. 244-A, caput, do ECA; art. 1º da Lei 2.252/54 e art. 243 do ECA.

Sua condenação resultou em pena de 30 anos de reclusão, 06 anos de detenção e 650 dias-multa, ou seja, conduta bem mais grave do que a analisada na decisão do STF acima destacada. O fato redundou em uma verdadeira comoção social pela ampla divulgação nos meios de imprensa locais.

E, se é certo que o princípio da inocência vigora em sua plenitude, não podendo o magistrado curvar-se ao apelo midiático, tampouco à grita da opinião pública não raras vezes manipulada, o disposto no art. 227 § 4º da CF/88 também não pode ser ignorado e o magistrado também não pode fazer ouvidos moucos a todos esses fatores, sob pena de distanciar-se do objetivo de apaziguar o meio social.

Em síntese, conquanto não determinante para a mantença da prisão não se pode olvidar o clamor público. Não fora isto, não se pode olvidar sobretudo a personalidade pedófila do paciente que induz à certeza de reiteração dessa conduta e a existência de condenação a mais de 30 anos.

Isso posto, com as observações mencionadas, acompanho o voto da relatora.

Fonte: RONDONIAGORA

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